Seja mulher

Manoela Victoria

A lei 11.106 do Código Penal Brasileiro, até 2005, sancionava que se uma vítima de violência sexual se casasse com seu agressor ou outro homem, o crime deixava de existir.

A lei Maria da Penha tem apenas 14 anos. Ao todo, 80% da Câmara é composta por homens brancos. Diante de um Congresso, onde a maioria é de homens cis, brancos e héteros, pequenas grandes conquistas como essas devem não só ser lembradas por seu tempo, mas também pela sua fragilidade.

Pautas dos direitos femininos vêm sendo levantadas nos últimos anos através das mídias e vêm cada vez ganhando mais espaços para discussão, porém, enquanto eu escrevo este texto, minha filha está no meu colo e vejo que apesar de tanto esforço – olho para nós duas, e observo o quanto temos de progredir, percebo como o machismo é tão presente no dia a dia.

Então, eu quis ouvir experiências de mulheres e saber o que elas têm a dizer sobre isso. Fiz entrevistas com duas mulheres que foram inspiradoras pra mim e logo trarei mais sobre a opinião delas. E, quando me pedem um texto sobre o dia das mulheres, sinceramente eu me sinto perdida, porque os dados não enganam ninguém, mas as pessoas não estão dispostas a saber deles.

Perdida porque eu já falei tanto disso para os meus colegas de escola, e o comportamento deles parece não ter mudado uma vírgula. Sinto-me tão perdida quanto um navio sem informação, no alto mar. Perdida em como explicar o quanto mulheres brancas também vêm oprimindo mulheres, ou você nunca reparou que sua empregada doméstica é quase da família, mas o filho dela não pode nem comer no mesmo cômodo que os patrões?

Eu, como mulher, fui alvo de diversas violências no dia a dia. Durante meses, fui vítima de abuso sexual em uma escola de dança. O professor que cometeu tais abusos não foi demitido na época, por não acreditarem em mim. Eu sou apenas uma dentre tantas outras que sofrem e sofreram assédio e abusos, praticados no ambiente da família, na rua, transporte público e até em locais voltados à educação.

E, ao ver me utilizar como exemplo, vejo que o patriarcado quer e está nos deixando doentes. Está adoecendo as mães, sugando sua saúde, física e emocional, fazendo com que se matem de trabalhar para ter uma moradia mínima, se sobrecarregando para criar seus filhos. Vejo também o emocional abalado por tantas cobranças sociais e padrões de beleza surreais. E observo o mesmo em tantas outras mulheres, que essa solidão, essa cobrança que nós mulheres – especialmente as mulheres negras e as proletárias, sejamos fortes.

O patriarcado gera guerreiras exaustas. É cansativo ser forte, não deveríamos ter que ser fortes. O patriarcado quer que nossa existência seja insignificante, mas nenhuma existência nesse mundo é insignificante. Tudo colabora para o estado atual, tudo é importante. Um corpo não funciona sem seus órgãos, ou um ecossistema sem seus animais e um computador sem suas peças.

A única coisa que posso dizer é para continuarmos a nossa contínua luta pelo nosso direito de existir dignamente. Eu vejo as lágrimas, as feridas e o suor. Eu sei que parece que não, mas nós precisamos continuar, mesmo na exaustão, pelas nossas filhas, nossas netas, por nós.

E, por último, um questionamento. Quem mandou matar Marielle Franco?

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